Candidatos de medicina gastam até R$ 18 mil para conseguir Fies na Justiça, mesmo sem nota suficiente no Enem; entenda riscos

Max Dias Lemos
Max Dias Lemos Noticias
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Advogados usam ‘brecha’ da legislação para defender que o programa de financiamento não deve levar em conta o desempenho dos alunos no Enem. MEC e universidades, por outro lado, afirmam que liberar vaga por liminar pode comprometer orçamento do Fies. ‘Surfando na onda’, há escritórios de advocacia que prometem ‘causa ganha’, mas só levam estudantes a assumirem ainda mais dívidas.

Em Colmeia (TO), os pais de Isadora de Sousa, de 18 anos, pagaram R$ 7,5 mil a um escritório de advocacia para que a jovem tivesse a chance de estudar medicina pelo Sistema de Financiamento Estudantil (Fies).

Ela não havia cumprido o pré-requisito de atingir a nota de corte no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), mas o advogado contratado prometeu que, por meio de uma “brecha” na legislação [entenda mais abaixo], Isadora poderia financiar as altas mensalidades do curso sem depender de seu desempenho na prova.

“Disseram que ia ser ‘causa ganha’ e que eu poderia me matricular na faculdade, porque teria o financiamento dali a no máximo três meses”, conta Isadora.

“Bateu um medo, porque o semestre custava R$ 80 mil. Bom, seis meses se passaram, meu pai se matando para pagar meu curso… e perdemos a causa na Justiça. Tive de trancar a faculdade, porque não temos mais como arcar [com as despesas]. Estou traumatizada — me prometeram algo que era, na verdade, incerto.”


Qual é a tal “brecha” na legislação? Em resumo: a lei que criou o Fies, em 2011, não mencionava o Enem como critério de seleção para o financiamento. Essa regra de considerar as notas da prova só passou a valer em 2015, após uma portaria do Ministério da Educação (MEC).

Diante disso, desde 2020, advogados passaram a defender a ideia de que, como leis “valem mais” do que portarias, nenhum aluno pode ser barrado só porque não teve um bom desempenho no exame.

Cobrando até R$ 18 mil, escritórios de advocacia começaram a processar a União, a Caixa Econômica Federal (que opera o Fies) e o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), reivindicando o financiamento para os clientes.

Resultados divergentes: Já houve situações em que candidatos conseguiram uma vaga no Fies com base nessa teoria, por meio de liminar – mas, na maioria das vezes, a história acaba em frustração e em mais dívidas. A Justiça, em geral, afirma que a portaria do MEC deve, sim, ser respeitada, e que liberar o financiamento para tantos alunos seria impossível do ponto de vista orçamentário.

Maré de processos: Segundo o MEC afirmou ao g1, só entre janeiro e fevereiro de 2023, mais de 600 brasileiros entraram com processos judiciais pedindo que fossem aprovados no Fies mesmo sem terem alcançado a nota necessária no Enem. Não há um balanço de quantos pedidos foram deferidos (ou seja, “deram certo”).

Foi uma “chuva” tão grande de processos – movidos especialmente por candidatos aos cursos de medicina –, e com tantos posicionamentos diferentes de juízes e desembargadores, que o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) deve decidir, até o fim do ano, uma resposta única para todos os casos (pelo chamado Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas – IRDR) .
Até lá, os estados dessa jurisdição (AC, AP, AM, BA, GO, MA, MT, PA, PI, RO, RR e TO, além do DF) ficarão com as decisões “congeladas”.
Há advogados que apresentam uma perspectiva mais realista e explicam ao cliente, desde o início, que pleitear uma vaga do Fies por liminar pode funcionar, mas envolve um alto risco de perder o processo, dependendo da interpretação da Justiça. Outros especialistas, porém, fazem propaganda nas redes sociais (“vaga de medicina já!!”) e garantem — de forma irresponsável — que haverá sucesso.

Márcia*, mãe de uma aluna que há anos busca uma forma de cursar medicina, quase acreditou em uma dessas promessas. “O primeiro escritório com que conversei disse que era certeza de sucesso. A sorte é que falei com outra advogada antes e soube que era algo incerto. Eu não poderia abrir mão de R$ 5 mil [valor cobrado para entrar com o processo], por mais que fosse o sonho da minha filha. Fiquei com muito medo”, diz.

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